O que é fundamentalismo e por que
tem exercido tanta influência na política? O fundamentalismo é um
fenômeno social decorrente da racionalidade e do liberalismo tal
como esses conceitos foram formulados pela Modernidade. O
fundamentalismo nunca é religioso em si mesmo, pois está sempre
vinculado a uma forma de perceber o mundo, os costumes e as ideias
que orientam as ações políticas, a economia e a moral em uma
determinada época, construído a partir de uma ideologia dominante.
Corresponde à perda da visão ingênua da condição humana e do
momento histórico vivido pelas sociedades, motivado por um
sentimento de insegurança e de medo quanto às mudanças que estão
em curso.
O racionalismo e o liberalismo são
tendências que devem ser entendidas à luz de um cenário mais
amplo. O racionalismo
procurou
exaltar o papel da razão suficiente e instrumental como também
afirmar o caráter do sujeito livre e autônomo. E
o liberalismo visava defender a dignidade da pessoa humana frente ao
poder absoluto do Estado, representado pela defesa do direito ao
livre pensamento, de propriedade e de liberdade religiosa. Essas
tendências foram sendo consolidadas na medida em que, ao mesmo
tempo, se afirmava o individualismo, o materialismo e a defesa de
direitos fundamentais, que motivaram o surgimento de movimentos
emancipatórios e de resistências diante das práticas e estratégias
dos regimes de poder e do capitalismo nascente.
O fundamentalismo é, portanto,
produto de uma preocupação que envolve o
enfrentamento das transformações trazidas pela Modernidade. Essas
transformações provocaram três movimentos que confrontaram com a
religião e com o conservadorismo:
a secularização, a globalização e o processo de laicização. A
secularização tem a ver com o que Max Weber chamou de
desencantamento do mundo. A globalização está relacionada com os
processos de interferência dos valores e da lógica do consumo
criados pelo capitalismo no interior de uma cultura local. E o
processo de laicização corresponde a um crescente esvaziamento e
abandono do elemento simbólico religioso na cultura.
Ele se constitui como um modo de
perceber o mundo que se vale de elementos da tradição religiosa, e
se instala no interior da estrutura religiosa – através de suas
lideranças, de sua cosmologia, de suas doutrinas e até de sua
práxis – para estabelecer um certo regime de saber, de controle e
de poder para exercer influência na conduta de toda a sociedade. O
fundamentalista é aquele que impõe sua crença e sua moral como
padrão aferidor para a conduta dos demais.
Jurgen Habermas, em um artigo
publicado na Folha de São
Paulo, em 6 de janeiro de
2002, intitulado “Fé e conhecimento”, no qual elabora uma
reflexão a respeito do impacto do episódio de 11 de setembro, viu
um deslocamento da tensão entre a sociedade secularizada e a
religião. Até bem pouco tempo, o centro dessa tensão estava entre
os ideais científicos e a defesa da fé. De um lado, estavam aqueles
que temiam o obscurantismo e defendiam o avanço científico; de
outro encontravam-se aqueles que viam com suspeita o avanço do
cientificismo e questionavam a neutralidade do conhecimento
científico. Atualmente, o
fundamentalismo estabelece essa mesma tensão em outras esferas da
vida, como a política, a educação, o cuidado com a saúde e até a
economia e as relações internacionais.
Só podemos falar de fundamentalismo
no sentido da pluralidade. Há várias formas de fundamentalismos,
principalmente os que envolvem o aspecto religioso. Os
fundamentalismos religiosos são difíceis de serem tratados visto
que atuam em diversas frentes, de diversos modos e através de
diversos atores em diversos contextos.
Entretanto, podemos traçar algumas
linhas comuns entre os diversos fundamentalismos existentes. Uma
dessas características é a busca de retrocesso a um tempo em que o
fundamentalista acha que havia uma suposta segurança. Outra
característica é o apelo uma moral hegemônica, universal, válida
para todos os indivíduos. Há também a ausência de consciência
crítica, de espaços para a reflexão, principalmente para a análise
das circunstâncias históricas. O que vale é o que se encontra expresso
nos discursos hegemônicos fundados num texto sagrado. Os fundamentalistas
de um modo geral são acríticos, anacrônicos e literalistas. Eles
fazem uso da intimidação através do medo, da exclusão e da ameaça
de punição eterna. E, por fim, eles têm apego ao senso comum,
sobretudo com a simplificação do saber e a exaltação do elemento
fantástico e sobrenatural. No conhecimento fundamentalista não cabe
a complexidade.
O fundamentalismo tem arrebanhado
cada vez mais adeptos. Dominam a mídia e as redes sociais. Mais
recentemente tem avançado na ocupação de espaços públicos como a
política. É um avanço irreversível que vem aumentando nos últimos
tempos. Não há como contê-lo. A única coisa que pode deter é o
exercício incansável da consciência crítica e a defesa constante
das liberdades e direitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário