sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Reconciliação: Reconectar o que se perdeu / Reconciliation: Reconnect what was lost / Reconciliación: Reconectar lo que se perdió


Em tempos de tantos desentendimentos, falar de reconciliação parece algo impossível. Entretanto, para que possamos restaurar sentimentos feridos, resgatar valores perdidos e até para restabelecer vínculos afetivos, precisamos aprender a arte de reconciliar. Diante dos conflitos que a vida nos oferece, a reconciliação é um esforço necessário para que possamos encontrar novas possibilidades para os relacionamentos que estão feridos. E isso é um assunto que a fé cristã tem muito a contribuir.
A palavra reconciliação aparece em duas ocasiões nos escritos do apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos e na Segunda Carta aos Coríntios. Ela foi retirada do contexto do mercado de câmbio dos gregos antigos, correspondendo a uma troca por valores equivalentes. Paulo nos dá a entender que há a necessidade de um ajuste de contas diante do cuidado de Deus em nos perdoar e nos acolher como seus filhos. O ato divino em nos reconciliar com Ele deve nos conduzir a uma nova atitude diante de tudo o que se perdeu desde quando nos afastamos de Seu propósito.
Reconciliar é literalmente tentar de novo o concílio, que por sua vez, é uma palavra vem da tradição cristã. Já traz implícita a ideia de uma diversidade de ideias. Concílio dizia respeito a uma concentração de esforços para que pudessem chegar a um acordo, um entendimento comum, diante de uma controvérsia. Tinha o sentido de uma união. Vem do latim concilium, que é a junção de duas expressões: cum, que quer dizer “junto”, e silium, que corresponde a “assento” (mas também pode ser de cillia, que quer dizer “movimento”). A igreja usou essa designação como uma convocatória para que os cristãos em conflito pudessem se reunir, com o sentido de sentarem juntos mesmos, para discutir problemas e chegar a um consenso. Posteriormente, essa palavra ganhou nova significação, relacionada ao sentido do verbo conciliare, que quer dizer acordo ou um ajuste de interesses. A palavra “conciliar” em português pode significar também: ficar em paz, acalmar, combinar e tranquilizar.
A carta de Paulo a Filemom traz um magnífico exemplo de reconciliação. Filemom era um cristão admirável, de uma família tradicional e bem-sucedido em seus negócios Tanto que, mesmo sendo cristão, era proprietário de escravos, o que era uma prática comum para a sociedade de seu tempo. Porém, um daqueles seus escravos fugiu. O nome dele era Onésimo.
A carta não trata das razões da fuga de Onésimo. O que o teria feito fugir? Pode ser que tivesse feito algo muito ruim, como roubar o seu senhor. Pode ser também que tivesse se rebelado por causa dos maus tratos, das condições injustas e opressoras que lhes eram impostas de forma incoerente com a fé que o senhor dizia professar. Ou pode ser ainda que possuísse um esclarecimento a respeito da sua condição social e tenha resolvido lutar por sua liberdade tentando construir uma outra história de vida. Não importa o motivo da fuga, o fato foi que a graça do evangelho alcançou Onésimo e ele veio a tomar parte do movimento cristão e ser um dos seguidores de Jesus que acompanhavam o apóstolo Paulo.
Paulo, então, envia Onésimo de volta a Filemom com um apelo para que fosse acolhido não mais como escravo, mas como um irmão na fé. Era preciso que ambos construíssem uma nova relação, que fosse fundada no amor. Não seria mais uma relação entre senhor e escravo, mas entre cooperadores na fé. Não mais uma relação servil, mas fraterna.
Reconciliar é restaurar conexões perdidas, recuperar as possibilidades de conciliar uma diversidade de situações contraditórias. Não significa voltar ao que era antes, mas dar chance para começar uma nova caminhada juntos. A reconciliação se faz necessária quando a gente se dá conta de que o que se perdeu é maior do que nós mesmos, de que o outro é importante e indispensável para nós. Para a reconciliação acontecer, é preciso reconhecer os próprios erros, perdoar os erros do outro e respeitar a presença e a opinião do outro. Quando a reconciliação não é buscada, corremos o risco do isolamento. Sem reconciliação, só nos resta a solidão.
A reconciliação tem em Deus seu maior realizador. Ele tomou a iniciativa de aproximar o que não é conciliável. Ele é o Deus que vem a nós. Para isso, ele esvaziou-se, fez-se como um de nós. Ele se revelou como o Deus conosco para que nos tornássemos um com Ele, a fim de que exercitássemos a reconciliação como um serviço ao próximo.

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