Em
tempos de tantos desentendimentos, falar de reconciliação parece
algo impossível. Entretanto, para que possamos restaurar sentimentos
feridos, resgatar valores perdidos e até para restabelecer vínculos
afetivos, precisamos aprender a arte de reconciliar. Diante dos
conflitos que a vida nos oferece, a reconciliação é um esforço
necessário para que possamos encontrar novas possibilidades para os
relacionamentos que estão feridos. E isso é um assunto que a fé
cristã tem muito a contribuir.
A
palavra reconciliação aparece em duas ocasiões nos escritos do
apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos e na Segunda Carta aos
Coríntios. Ela foi retirada do contexto do mercado de câmbio dos
gregos antigos, correspondendo a uma troca por valores equivalentes.
Paulo nos dá a entender que há a necessidade de um ajuste de contas
diante do cuidado de Deus em nos perdoar e nos acolher como seus
filhos. O ato divino em nos reconciliar com Ele deve nos conduzir a
uma nova atitude diante de tudo o que se perdeu desde quando nos
afastamos de Seu propósito.
Reconciliar
é literalmente tentar de novo o concílio, que por sua vez, é uma
palavra vem da tradição cristã. Já traz implícita a ideia de uma
diversidade de ideias. Concílio dizia respeito a uma concentração
de esforços para que pudessem chegar a um acordo, um entendimento
comum, diante de uma controvérsia. Tinha o sentido de uma união.
Vem do latim concilium, que é a junção de duas expressões:
cum, que quer dizer “junto”, e silium, que
corresponde a “assento” (mas também pode ser de cillia, que quer
dizer “movimento”). A igreja usou essa designação como uma
convocatória para que os cristãos em conflito pudessem se reunir,
com o sentido de sentarem juntos mesmos, para discutir problemas e
chegar a um consenso. Posteriormente, essa palavra ganhou nova
significação, relacionada ao sentido do verbo conciliare,
que quer dizer acordo ou um ajuste de interesses. A palavra
“conciliar” em português pode significar também: ficar em paz,
acalmar, combinar e tranquilizar.
A
carta de Paulo a Filemom traz um magnífico exemplo de reconciliação.
Filemom era um cristão admirável, de uma família tradicional e
bem-sucedido em seus negócios Tanto que, mesmo sendo cristão, era
proprietário de escravos, o que era uma prática comum para a
sociedade de seu tempo. Porém, um daqueles seus escravos fugiu. O
nome dele era Onésimo.
A
carta não trata das razões da fuga de Onésimo. O que o teria feito
fugir? Pode ser que tivesse feito algo muito ruim, como roubar o seu
senhor. Pode ser também que tivesse se rebelado por causa dos maus
tratos, das condições injustas e opressoras que lhes eram impostas
de forma incoerente com a fé que o senhor dizia professar. Ou pode
ser ainda que possuísse um esclarecimento a respeito da sua condição
social e tenha resolvido lutar por sua liberdade tentando construir
uma outra história de vida. Não importa o motivo da fuga, o fato
foi que a graça do evangelho alcançou Onésimo e ele veio a tomar
parte do movimento cristão e ser um dos seguidores de Jesus que
acompanhavam o apóstolo Paulo.
Paulo,
então, envia Onésimo de volta a Filemom com um apelo para que fosse
acolhido não mais como escravo, mas como um irmão na fé. Era
preciso que ambos construíssem uma nova relação, que fosse fundada
no amor. Não seria mais uma relação entre senhor e escravo, mas
entre cooperadores na fé. Não mais uma relação servil, mas
fraterna.
Reconciliar
é restaurar conexões perdidas, recuperar as possibilidades de
conciliar uma diversidade de situações contraditórias. Não
significa voltar ao que era antes, mas dar chance para começar uma
nova caminhada juntos. A reconciliação se faz necessária quando a
gente se dá conta de que o que se perdeu é maior do que nós
mesmos, de que o outro é importante e indispensável para nós. Para
a reconciliação acontecer, é preciso reconhecer os próprios
erros, perdoar os erros do outro e respeitar a presença e a opinião
do outro. Quando a reconciliação não é buscada, corremos o risco
do isolamento. Sem reconciliação, só nos resta a solidão.
A
reconciliação tem em Deus seu maior realizador. Ele tomou a
iniciativa de aproximar o que não é conciliável. Ele é o Deus que
vem a nós. Para isso, ele esvaziou-se, fez-se como um de nós. Ele
se revelou como o Deus conosco para que nos tornássemos um com Ele,
a fim de que exercitássemos a reconciliação como um serviço ao
próximo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário