Jesus
revolucionou seu tempo ao propor um novo modo de ver, de ser e de crer. Seu
discurso aponta para outro modo de interpretar as Escrituras, a partir da
própria condição humana. Ele nos convida para encarar a vida em outra
perspectiva, a partir da esperança. Ele apresentou outro modo de lidar com o sofrimento,
a partir da compaixão. Ele orientou a outro modo de conhecer Deus, a partir da
relação como filhos de um pai amoroso. Ele ensinou outro modo de se relacionar
com o outro, a partir do amor.
Jesus marcou
esse outro modo de lidar com a vida e com a realidade a partir de seu
envolvimento com a cultura de seu povo de forma integral. A vida, os ensinos e
os atos de Jesus conforme relatados nos evangelhos estão inseridos num contexto
social, cultural e histórico e só podem ser compreendidos através de um viés
sociocultural e histórico. E uma das formas através da qual Jesus fez isso tem
a ver com os momentos de festejos populares e religiosos do judaísmo.
Os judeus
possuíam muitas festas em seu calendário. Desde a lei de Moisés, várias festas
foram instituídas para servirem de marcos importantes da trajetória daquele
povo. Havia festejos de toda natureza, o que incluía a guarda do sábado, o ano
do jubileu, as bodas e os grandes festejos anuais que coincidiam com o ciclo
das colheitas. Tudo era motivo para festejar.
A Bíblia relata
algumas dessas festas e as descreve. Outras, no entanto, surgiram no tempo do cativeiro
babilônico. De um modo geral, elas possuíam três funções básicas na organização
social daquele povo. Primeiramente, se destinavam à comunhão, para reunir as
pessoas em torno de um objetivo comum. Em segundo lugar, serviam à memória coletiva,
para lembrar quem eles eram. E em terceiro lugar, visavam fortalecer a esperança,
serviam para apontar para um futuro além das lutas e dificuldades que pudessem
enfrentar.
Os evangelhos
apresentam Jesus tomando parte diretamente dessas festas. Também podemos
perceber como os ensinos de Jesus foram atravessados por símbolos e gestos que
remetiam ao caráter festivo da cultura de seu povo. Isso nos leva a entender
que Jesus quis passar uma mensagem clara a respeito da maneira como podemos
conduzir a vida. Primeiramente, é preciso encarar a vida como oportunidade para
celebrar. Em segundo lugar, devemos lembrar que Deus é aquele que transforma o
nosso pranto em dança (como diz Salmos 30.11). E em terceiro lugar, precisamos
construir a confiança de que o nosso futuro está nas mãos de Deus.
Através da
leitura das Escrituras, encontramos um Deus que gosta muito mais de festa do
que de lamento. O salmista declarou que a alegria sempre vem pela manhã, mesmo
depois de uma noite de pranto (Salmos 30.5). O profeta se apresentou como
aquele que é anunciador de um novo tempo em que o choro será substituído pela
alegria e o espírito angustiado por vestes alegres (Isaías 61.3). Os anjos
anunciaram notícias de grande alegria para todo povo (Lucas 2.10). Jesus
ressaltou o sentido da festa depois da perda (Lucas 15) e prometeu que a
alegria jamais será tirada daqueles que o seguem (João 16.22).
A própria
Palavra de Deus fixou festas para que o povo pudesse celebrar a memória de um
Deus que cuida e que está presente entre nós. Em Levítico 23.2, Deus diz a
Moisés quais são as suas festas e para que elas servem. As festas bíblicas
deveriam se constituir em encontros sagrados entre Deus e o povo, como um tempo
para parar a rotina e as ocupações da vida a fim de contemplar a presença
divina no meio do povo, em meio ao canto, à dança e as manifestações de
alegria, e também para ouvir o que Deus tem a dizer.
Compreender
esse lado celebrativo da fé rompe com os paradigmas da crença formal, servil e
manipuladora que acabaram distorcendo a essência da mensagem de Jesus. Seguir o
evangelho e ter Jesus como Senhor da vida não significa viver num vale de
lágrimas, como queriam os medievais. Mas também não é motivo para ficar rindo
de fratura exposta, por exemplo. A fé em Jesus substitui o lamento pelo canto,
o choro pelo riso, o medo pela esperança. Pela fé, a dor e o sofrimento se
convertem em oportunidades de crescimento. A vida se constitui num fluxo
constante de busca de superação. A fé subverte a lógica do necessário e
encoraja a ir além apesar das contingências.
A festa, no
entanto, não deve servir como anestésico da dor, não é alienação nem fuga da
realidade. Antes, só sabe celebrar quem tem uma visão clara das circunstâncias
concretas e históricas em que se encontra e, ao mesmo tempo, sabe em quem
confia, onde deposita sua esperança. Aquele que celebra é o que encontra forças
para seguir em frente apesar das dificuldades da caminhada, é quem reconhece
que a dor não é determinante e que a morte não é o fim.
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