sábado, 9 de março de 2019

A vida como oportunidade para celebrar / Life as an opportunity to celebrate / La vida como oportunidad para celebrar



Jesus revolucionou seu tempo ao propor um novo modo de ver, de ser e de crer. Seu discurso aponta para outro modo de interpretar as Escrituras, a partir da própria condição humana. Ele nos convida para encarar a vida em outra perspectiva, a partir da esperança. Ele apresentou outro modo de lidar com o sofrimento, a partir da compaixão. Ele orientou a outro modo de conhecer Deus, a partir da relação como filhos de um pai amoroso. Ele ensinou outro modo de se relacionar com o outro, a partir do amor.
Jesus marcou esse outro modo de lidar com a vida e com a realidade a partir de seu envolvimento com a cultura de seu povo de forma integral. A vida, os ensinos e os atos de Jesus conforme relatados nos evangelhos estão inseridos num contexto social, cultural e histórico e só podem ser compreendidos através de um viés sociocultural e histórico. E uma das formas através da qual Jesus fez isso tem a ver com os momentos de festejos populares e religiosos do judaísmo.
Os judeus possuíam muitas festas em seu calendário. Desde a lei de Moisés, várias festas foram instituídas para servirem de marcos importantes da trajetória daquele povo. Havia festejos de toda natureza, o que incluía a guarda do sábado, o ano do jubileu, as bodas e os grandes festejos anuais que coincidiam com o ciclo das colheitas. Tudo era motivo para festejar.
A Bíblia relata algumas dessas festas e as descreve. Outras, no entanto, surgiram no tempo do cativeiro babilônico. De um modo geral, elas possuíam três funções básicas na organização social daquele povo. Primeiramente, se destinavam à comunhão, para reunir as pessoas em torno de um objetivo comum. Em segundo lugar, serviam à memória coletiva, para lembrar quem eles eram. E em terceiro lugar, visavam fortalecer a esperança, serviam para apontar para um futuro além das lutas e dificuldades que pudessem enfrentar.
Os evangelhos apresentam Jesus tomando parte diretamente dessas festas. Também podemos perceber como os ensinos de Jesus foram atravessados por símbolos e gestos que remetiam ao caráter festivo da cultura de seu povo. Isso nos leva a entender que Jesus quis passar uma mensagem clara a respeito da maneira como podemos conduzir a vida. Primeiramente, é preciso encarar a vida como oportunidade para celebrar. Em segundo lugar, devemos lembrar que Deus é aquele que transforma o nosso pranto em dança (como diz Salmos 30.11). E em terceiro lugar, precisamos construir a confiança de que o nosso futuro está nas mãos de Deus.
Através da leitura das Escrituras, encontramos um Deus que gosta muito mais de festa do que de lamento. O salmista declarou que a alegria sempre vem pela manhã, mesmo depois de uma noite de pranto (Salmos 30.5). O profeta se apresentou como aquele que é anunciador de um novo tempo em que o choro será substituído pela alegria e o espírito angustiado por vestes alegres (Isaías 61.3). Os anjos anunciaram notícias de grande alegria para todo povo (Lucas 2.10). Jesus ressaltou o sentido da festa depois da perda (Lucas 15) e prometeu que a alegria jamais será tirada daqueles que o seguem (João 16.22).
A própria Palavra de Deus fixou festas para que o povo pudesse celebrar a memória de um Deus que cuida e que está presente entre nós. Em Levítico 23.2, Deus diz a Moisés quais são as suas festas e para que elas servem. As festas bíblicas deveriam se constituir em encontros sagrados entre Deus e o povo, como um tempo para parar a rotina e as ocupações da vida a fim de contemplar a presença divina no meio do povo, em meio ao canto, à dança e as manifestações de alegria, e também para ouvir o que Deus tem a dizer.
Compreender esse lado celebrativo da fé rompe com os paradigmas da crença formal, servil e manipuladora que acabaram distorcendo a essência da mensagem de Jesus. Seguir o evangelho e ter Jesus como Senhor da vida não significa viver num vale de lágrimas, como queriam os medievais. Mas também não é motivo para ficar rindo de fratura exposta, por exemplo. A fé em Jesus substitui o lamento pelo canto, o choro pelo riso, o medo pela esperança. Pela fé, a dor e o sofrimento se convertem em oportunidades de crescimento. A vida se constitui num fluxo constante de busca de superação. A fé subverte a lógica do necessário e encoraja a ir além apesar das contingências.
A festa, no entanto, não deve servir como anestésico da dor, não é alienação nem fuga da realidade. Antes, só sabe celebrar quem tem uma visão clara das circunstâncias concretas e históricas em que se encontra e, ao mesmo tempo, sabe em quem confia, onde deposita sua esperança. Aquele que celebra é o que encontra forças para seguir em frente apesar das dificuldades da caminhada, é quem reconhece que a dor não é determinante e que a morte não é o fim.

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