sábado, 30 de março de 2019

Censura, Tortura e Desaparecimento: Como o imaginário da ditadura se mantém vivo / Censorship, Torture and Disappearance: As the imagination of the dictatorship remains alive / Censura, Tortura y Desaparición: Cómo el imaginario de la dictadura se mantiene vivo


A sombra da ditadura ainda está presente no imaginário das elites dominantes. As recentes declarações do Presidente da República, as atitudes de setores civis e militares em favor de comemorações dos 55 anos do golpe de 1964 e as decisões políticas e judiciais em torno do tema provam isso.  As elites dominantes acreditam piamente que ter tomado o poder de forma antidemocrática e ter se valido de tortura, censura e desaparecimento de opositores foi um serviço prestado ao Brasil, ao destituir João Goulart em 31 de março daquele ano e instaurar um regime totalitário, repressor e de exceção que durou 21 anos.
Essa mesma mentalidade é idêntica à que manteve o regime escravocrata, que nutre uma concepção patrimonialista desde a proclamação da República e que se opõe a qualquer tentativa de políticas públicas voltadas para o estado de bem-estar social, para a promoção da justiça social e para a redução das desigualdades sociais. Atitudes semelhantes prevalecem nas sociedades que passaram por regimes ditatoriais. É como se fantasmas do passado revisitassem frequentemente a vida dos cidadãos, como acontece com os neonazistas na Alemanha, os saudosistas do franquismo na Espanha e até nos defensores das ditaduras latino-americanas.
A ditadura brasileira foi construída sobre um equívoco que serviu como disfarce para os interesses das elites dominantes, que são os mesmos que sustentam o governo atual. Dela participaram atores de diversos setores da sociedade: políticos, empresários, membros do judiciário e líderes religiosos, que se mantém em cargos importantes do país e se perpetuam através de seus herdeiros e descendentes.
Mesmo com a Comissão da Verdade, os registros históricos dos arbítrios, as denúncias de testemunhas vivas dos atentados, o gigantesco esforço histórico do grupo Tortura Nunca Mais, os registros que resultaram no livro Brasil: Nunca Mais e até de decisões judiciais em favor da indenização das vítimas, nada tem sido suficiente para evitar que esse mal se perpetue. Falar da ditadura é tocar em feridas ainda não cicatrizadas.
A mentalidade ditatorial está viva no imaginário da elite dominante. É isso que faz de Lula prisioneiro um troféu, que impede que crimes contra ativistas sociais como Marielle sejam elucidados e seus perpetradores punidos, que promove ataques contra minorias e o preconceito contra pobres, negros, mulheres, indígenas e população LGBT, que procura reduzir direitos conquistados por trabalhadores e aposentados.
A ditadura no Brasil se firmou a partir de um tripé: censura, tortura e desaparecimento. Falar disso hoje é tratar dos males que ainda persistem em nossa sociedade. Até se tentou, com a Lei da Anistia, promover um esquecimento impossível, pois o trauma da censura, a dor dos torturados, a busca pelos desaparecidos continua gritando por justiça e reparação.
A memória da ditadura de 64 é uma mancha na história da democracia brasileira. Só quem se beneficiou dela ou é cúmplice dos seus atos é capaz de ver algo a se comemorar. É preciso, sim, lembrar para nunca mais repetir. Não há o que celebrar, não há como negar a história, não dá para apagar seus vestígios. Defender o golpe de 64, fazer apologia à tortura ou negar os seus efeitos sobre a sociedade é jogar o Brasil num cenário de sombras. Não há nada que justifique tais atrocidades, não há nada que justifique celebrar isso.
Teremos fracassado como nação se não superarmos o grave engano que motivou o golpe de 64 e não encararmos como crime gravíssimo os atentados perpetrados pelo governo ditatorial durante 21 anos. "Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados", disse Vladimir Herzog, torturado e morto pela ditadura.
Como seguidor de Jesus, só cabe a mim me juntar à luta para manter acesa a memória dos injustiçados, torturados, mortos e desaparecidos pelo regime que violou a democracia brasileira e usurpou o poder que não lhe pertencia. Na figura de Jesus de Nazaré, preso injustamente, torturado com os mais cruéis instrumentos de tortura da época e morto de uma forma tão perversa na cruz, sei do que a maldade humana é capaz.

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