“Ensinava nas sinagogas, e todos o elogiavam” (Lucas 4.15).
Jesus usou os
espaços religiosos de seu tempo para `compartilhar a sua mensagem. Ele o fez
como um cidadão, como um religioso e como o Messias. Jesus participava de uma
comunidade e praticava uma religião. Ele era da região da Galileia, da pequena
cidade de Nazaré, e era um judeu.
Embora os
evangelhos façam menção diretamente às sinagogas de Cafarnaum e Nazaré, duas
cidades da região da Galileia, Jesus estava familiarizado com a frequência a
esse espaço de devoção do judaísmo.
As sinagogas são
espaços de devoção e de espiritualidade dos judeus até os dias atuais. Elas foram
criadas provavelmente após a destruição do primeiro templo, por volta do ano
586 a.C., para ser um espaço de oração e de leitura das Escrituras. No tempo de
Jesus, era o segundo lugar mais importante para o exercício da espiritualidade
judaica, ficando atrás apenas do templo. Por essa razão, muitas vezes foi chamada
de pequeno santuário.
No tempo de
Jesus devia haver centenas delas espalhada por todo o território de Israel.
Estima-se que só em Jerusalém houvesse cerca de 400 sinagogas. Para que
surgisse uma sinagoga, era necessária a presença de pelo menos dez homens da fé
judaica. Com a diáspora, esse costume também se espalhou nos lugares em que os
judeus estabeleciam suas comunidades.
As sinagogas
deveriam possuir três elementos essenciais: a urna para conter os livros
sagrados, uma lâmpada acesa permanentemente como símbolo da instrução das
Escrituras e o púlpito onde as Escrituras eram lidas. Os oradores da sinagoga
eram rabinos que possuíam experiência no exercício de interpretação das
Escrituras, que consistia nos livros da Torah (os livros da lei), nos livros
poéticos (especialmente o de Salmos) e nos profetas.
As reuniões
das sinagogas começavam com a recitação do shema:
que é a referência a Deuteronômio 6.4: “Ouça,
ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor”. A espiritualidade judaica
compreendia que ali era o lugar do encontro com o sagrado, para ouvir o que Deus
tem a falar.
Jesus
demonstrou familiaridade com os hábitos das sinagogas e era tratado como rabi
ou rabino, um mestre que podia falar durante os atos cerimoniais. Jesus também
demonstrou que era uma pessoa letrada, conhecedora do idioma hebraico, que
tinha condições de fazer leituras públicas a partir de traduções orais dos
textos bíblicos, conhecidas como targuns. E que tinha autoridade para interpretar
as Escrituras.
Isso nos leva
a compreender que Jesus não rejeitou a religião, mas a ressignificou. A
religião não é apenas um sistema de controle e de domínio, como uma estratégia
de poder, embora ela tenha sido usada pelas estruturas de poder ao longo dos
tempos – inclusive nos dias atuais. Ela é uma experiência humana de encontro
consigo, que estimula a transcendência e a descoberta de si. Jesus tratou os
espaços religiosos não mais como espaços de interdição, mas de transformação,
de libertação e de construção de nossa humanidade.
Por essa
razão, Jesus não se identifica com o homo
religiosus de Mircea Eliade, mas com o humano, demasiadamente humano
(conforme o título da obra de Nietzsche), como aquele que compreende que a vida
toda é sagrada, que o humano está acima dos rituais e que a história é o tempo
de construção de nossa existência.
Os evangelhos
registram quatro momentos de Jesus discursando nas sinagogas: Marcos 1.21-27,
correlato com Lucas 4.31-37; Marcos 3.1-6, correlato com Mateus 12.9-13; Lucas
4.16-22, correlato com Marcos 6.16 e Mateus 13.53-58; João 6.51-59. Em cada uma
dessas ocasiões ele aproveitou para pregar sobre temas que estavam ligados à
vivência humana, valorizando sempre a dignidade da pessoa, em detrimento do
cerimonial.
A intimidade
de Jesus com a sinagoga pode ser percebida em outras situações narradas nos
evangelhos, como a cura da filha de Jairo, o chefe da sinagoga, em Marcos 5.21-43,
Mateus 9.18-26 e Lucas 8.40-56. Para Jesus, a sinagoga era espaço de
compartilhamento da boa notícia do amor de Deus (Mateus 4.23, Mateus 9.35, João
18.20), de cura para as dores humanas (Lucas 13.10-17), de construção de nossa
identidade (Lucas 7.4-50), de confrontação com a religiosidade hipócrita (Mateus
6.2 e 5, João 12.42), de enfrentamento das formas de dominação (Marcos 12.39,
Mateus 23.6, Lucas 11.43, Lucas 20.46, João 9.22) e de espaço de testemunho e
martírio (Marcos 13.9, Mateus 10.17, Mateus 23.34, Lucas 4.24-30, Lucas 12.11,
Lucas 21.12, João 16.2).
As comunidades
cristãs primitivas procuraram reproduzir a experiência das sinagogas. Muitas
vezes, igrejas cristãs nasceram a partir dos ensinos de Paulo nas sinagogas espalhadas
pelo mundo greco-romano. Refletir sobre a experiência cristã nos espaços
religiosos nos remete ao diálogo necessário entre religião e espiritualidade,
vida religiosa e vida intramundana. Esse foi o exemplo deixado por Jesus.
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