O Reino de Deus ocupa um espaço
primordial na mensagem das Escrituras. Jesus Cristo mesmo foi quem declarou a
todos que o Reino era chegado, se fazia presente historicamente e que será
consumado no futuro. Embora ele usasse uma expressão retirada da esfera
política, sua ideia de Reino era completamente diferente de todas as concepções
humanas de poder. Ela estava vinculada à própria realidade humana, essa mesma
que conhecemos por que estamos nela e diz respeito ao que nós somos: pessoas
marcadas pela finitude, mas também pela vontade de liberdade; pela impotência,
mas pelo desejo do que está além; e pelo egoísmo, mas que não consegue se
realizar sem a ajuda do outro. A nossa condição humana é de ambiguidade e
comporta uma abertura para algo que está além de nós, para uma instância de
consciência que só a noção de Reino de Deus pode oferecer compreensão.
Para falar de Reino de Deus, alguns
elementos precisam ser ressaltados. O Reino é de Deus, essa é a primeira
constatação necessária; isto quer dizer que ele governa e dirige todas as
coisas conforme a sua vontade. A abrangência do Reino envolve toda a criação,
outra constatação inevitável; por isso mesmo, Deus reivindica para si toda
criatura para que viva debaixo de sua autoridade. O Reino de Deus implica uma
relação entre o Senhor do Reino e todas as criaturas, assim como entre as
próprias criaturas sob seu governo; Deus convoca toda a criação para que viva
como uma comunidade de tal forma que a comunhão é a essência da relação na
dimensão do Reino.
A noção de Reino de Deus está
vinculada diretamente ao poder de Deus sobre toda a criação, através do qual Ele
conduz o curso da história em direção ao Seu propósito eterno, considerando a
autonomia das criaturas em sua própria existência. A maneira como Deus governa
sobre todas as coisas ainda é um mistério para os homens pelo fato de que esse Seu
propósito ainda não se concretizou historicamente. Por isso mesmo Ele se revela
e se insere no curso da história a fim de que o caminho para a consumação desse
propósito seja conhecido pelas pessoas. Falar do Reino de Deus, portanto,
abrange temas como criação, revelação, salvação, missão e até escatologia. Quer
dizer, envolve a vida desde a origem até o seu futuro, envolve um conhecimento
a respeito de quem é Deus e envolve também um sentido para a nossa realização
como pessoas no mundo.
Compreender a natureza do Reino de
Deus fora dos paradigmas humanos de dominação é uma tarefa difícil. Corremos o
risco de confundi-lo com um território onde atua um soberano, ou com uma
relação dominada por uma autoridade totalitária, ou mesmo com um saber em que
um dominador retém para si algumas verdades que não podem ser acessadas por
gente inferior. O Reino de Deus não é nada disso: não é um território, não é
uma dominação e nem é um saber. Por reconhecer que seria difícil entender o
Reino, Jesus – aquele que encarnou os principais discursos sobre o assunto na
Bíblia – procurou formas de sinalizá-lo entre os homens. Ele realizou milagres,
se compadeceu de gente sofrida, ensinou lições sobre a vida, apontou caminhos
para a realização e a felicidade.
Entretanto, a maneira mais peculiar
que Jesus utilizou para sinalizar o Reino de Deus foi através das histórias que
ele contou. Através das parábolas, Jesus procurou demonstrar aos seus
discípulos o sentido e o valor de participar do Reino que veio trazer aos
homens. Parábolas são pequenas histórias contadas para tornar mais fácil a
compreensão de uma realidade. Elas exemplificam o Reino e têm o valor de uma
metáfora, com muito bom humor e sensibilidade, cuja função era a de conduzir as
pessoas a uma reflexão sobre a realidade do Reino de Deus.
Todos os quatro evangelhos contêm
parábolas contadas por Jesus, através das quais procurava oferecer indicativos
da realidade do Reino. De um modo muito especial, porém, Mateus tem uma maneira
curiosa de apresentar uma coleção de parábolas específicas para tratar do Reino
de Deus. Elas não dizem exatamente o que ele é, mas, para um bom entendedor,
uma pequena palavra basta. Algumas ele explicou; outras ficaram a mercê da
interpretação dos seus ouvintes. Afinal, “quem tem ouvidos para ouvir, que
ouça”, como o próprio Jesus falava quando alguém não as compreendia.
Entrar no universo hermenêutico
dessas parábolas é desvendar um conjunto infinito de possibilidades de se
construir uma experiência de participação no Reino. O objetivo não é para que
nos tornemos diferentes dos demais, como se fôssemos exclusivos ou melhores,
mas para tomar parte dessa missão maravilhosa de sinalizar a presença
abençoadora, consoladora e libertadora do Reino entre nós. A mensagem acerca do
Reino de Deus é a declaração de que as alegrias, as bênçãos e a realização
futura reservadas a toda a criação podem ser vividas aqui e agora. Isso faz com
que o Reino seja tanto uma realidade presente quanto uma promessa que será
consumada no futuro.
A missão de Jesus de Nazaré foi
trazer o Reino aos homens. O Reino de Deus pode ser reconhecido na vida, obra e
mensagem de Jesus. Por meio dele é que o Reino se constitui uma realidade
presente. O anúncio da chegada do Reino de Deus entre os homens é a boa notícia
da graça, do perdão, da acolhida, do amor e da compaixão de Deus estendidas a
todos indistintamente. É a declaração de que Deus reivindica para si, na pessoa
de Jesus, toda a criatura a fim de que tome parte do seu Reino e desfrute do
que ele tem preparado para todos. É para isso que somos chamados a sermos
cristãos. Trata-se de uma missão histórica e, por isso mesmo, pública.
Por causa do anúncio da chegada do
Reino, surge a comunidade daqueles que atenderam ao chamado de seguir o caminho
apontado por Jesus – que é ele mesmo – e que assumem compromisso de cumprirem
missão, que consiste em dar continuidade ao seu projeto de tornar o Reino de
Deus presente na história das pessoas de nosso tempo. A igreja é a comunidade
do Reino na medida em que reconhece a Jesus como Senhor e toma parte do Reino
que ele inaugurou. A igreja não pode ser confundida com o Reino, mas não dá
para ser compreendida separada dele. Somente quando ela experimenta os valores
do Reino de Deus é possível servir como sinalizadora da sua presença no mundo.
(Artigo publicado na Revista Visão Missionária, 1T2016.)