domingo, 7 de outubro de 2018

Eleição e civilidade: o recado que vem das urnas / Election and civility: the message that comes from the polls / Elección y civilidad: el recado que viene de las urnas


O resultado do primeiro turno da eleição 2018 é um retrato do cenário político atual, marcado por um projeto perverso de dominação de uma elite conservadora e oligárquica que vem atuando no Brasil desde a fundação da república. Como resultado das urnas, vão para o segundo turno para a presidência da república os candidatos Jair Bolsonaro, do PSL, e Fernando Haddad, do PT. Nas eleições parlamentares, a esquerdo teve um ligeiro crescimento e houve uma mudança de boa parcela do quadro atual. Ouvir a voz que vem das urnas é um exercício necessário para quem quer entender o que se passa no país e para poder projetar o futuro que nos aguarda.
Há, pelo menos, quatro mensagens bem delineadas. A primeira é a de que o golpe de 2016 atingiu o seu objetivo maior, que era reduzir a capacidade das forças progressistas que atuam no país, em todos os níveis de atuação política. Conseguiram, através de uma interpretação equivocada do momento atual, transferir para a esquerda a responsabilidade pela crise econômica, pelo aumento da pobreza e pelo desemprego, como se a causa desses graves problemas estivessem relacionadas com os governos do PT, e não à manobras que levaram ao golpe desde a eleição de 2014. E, além disso, construíram o entendimento de que a maior corrupção da história foi praticada pelo PT com a Petrobras, esquecendo-se das muitas acusações de desvios por outros partidos que não foram investigadas.
A segunda é que há um forte avanço das forças reacionárias, com o crescimento de ideias fascistas associadas por uma mentalidade neoliberal. Embora essas duas correntes – fascismo e neoliberalismo – sejam antagônicas entre si, o movimento reacionário consegue articular um discurso que agrada tanto aqueles que defendem um Estado autoritário no controle da vida pública para atender a determinados interesses de dominação e de exclusão, quanto aos que defendem uma política econômica voltada para o mercado livre e que favoreça a concentração de renda.
A terceira é que de fato há uma tendência de consolidação do projeto de dominação da elite conservadora e oligárquica, que defende a redução das conquistas sociais e combate a atuação dos movimentos populares que lutam pelos direitos de minorias, de vulneráveis e de setores que sempre viveram destituídos de direitos e de garantias mínimas de acesso a condições dignas de sobrevivência e de oportunidades iguais.
E a quarta diz respeito ao fato de que há uma nova força política em ação no país, que está ligada ao fundamentalismo religioso de natureza evangélica. O crescimento desse grupo está se tornando cada vez mais evidente, tendo já extrapolado a dimensão institucional e impregnado a vida social. A presença evangélica não se dá apenas pela “bancada da Bíblia”, uma das maiores do congresso, mas também através do discurso formatado de lideranças religiosas que influencia o comportamento e a ação de um grande segmento dessa comunidade. É preciso registrar que a comunidade evangélica é uma das que mais tem crescido no país nos últimos anos. O fundamentalismo religioso promove uma pauta de interesses que estão ligados ao combate do comunismo (que se transforma em discurso antipetista), à defesa da família conservadora (com o combate do que chamam de “ideologia de gênero” e a afirmação do patriarcalismo) e ao temor do ateísmo (com demonização de lideranças, até mesmo evangélicas, que apresentem formas divergentes de pensar).
Mas as urnas também apontam alguns derrotados por conta dessas vozes. Por exemplo, as forças progressistas perderam importantes representações no Congresso. Da mesma forma, partidos que se envolveram diretamente com o golpe de 2016 sofreram baixas significativas, como o MDB e o PSDB. E também lideranças importantes ligadas a setores da sociedade saem enfraquecidas, como é o caso da questão ambientalista como também a luta de movimentos populares por direito à moradia e à posse da terra para agricultura familiar.
Por conta disso, não podemos mais falar de uma polarização entre direita e esquerda, que nas últimas eleições eram representadas, respectivamente, pelos partidos PT e PSDB. Temos que falar de uma polarização entre esquerda e extrema direita, que se traduz por uma disputa entre democracia e fascismo, liberdade e ditadura, civilização e barbárie. Essa luta exige que se escolha um lado, e o lado certo dessa escolha é a oposição a toda forma de fascismo, ditadura e barbárie. Estou torcendo para que a maioria escolha o lado da democracia, da liberdade e da civilidade.
Trata-se não de um combate, mas de uma oportunidade de diálogo marcado pelo bom senso, que prime por um processo de paz e que vise a formação de uma sociedade mais justa e solidária. O debate político para o segundo turno deve ser uma discussão transparente de propostas que possam fazer o país avançar em termos de desenvolvimento econômico com justiça social, com oportunidade para todos e com o respeito aos direitos humanos. Não há outra saída para o Brasil. E essa saída só se dá pelo caminho da democracia. Isso é civilidade.

Um comentário:

  1. Gosto muito dos seus textos... Mas votar em um governo que apoia Maduro, um ditador que nem se preocupa em disfarçar... comendo a melhor carne na Turquia enquanto seu povo revira lixo e foge para Roraima em busca de um pouco de dignidade, pelo menos; Não dá!!

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