segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eleições, esperança e retrocessos / Elections, hope and setbacks / Elecciones, esperanza y retrocesos


Em 7 de outubro de 2018, o Brasil terá novas eleições gerais. Do ponto de vista formal, poderíamos dizer que vivemos um processo democrático marcado pela normalidade. Depois do fim da ditadura, esta é a oitava eleição para presidente da república, congresso nacional e governos e parlamentos estaduais, cumprindo uma agenda prevista em lei e dentro dos critérios definidos pela constituição. Porém, o atual cenário político indica que algo não vai bem com nossa democracia.
As circunstâncias em que o processo eleitoral acontece demonstram que não se trata de uma contingência, mas de um projeto perverso de dominação dos setores que detêm o controle da produção da riqueza. Esse projeto, que faz parte do golpe que está em curso desde 2014 e que se consolidou em 2016, visa não só inviabilizar a vitória de um candidato ou partido, mas de retirar direitos e conquistas sociais de trabalhadores e de camadas mais pobres.
Nessas eleições, o que está em jogo é a capacidade de aprovar uma proposta de governo que esteja voltada para o povo, que possa incluir o pobre no orçamento, que resgate conquistas com programas de habitação, de saúde e de educação, que enfatize a geração de emprego e renda para os menos favorecidos, que seja capaz de fazer frente ao crescimento do crime organizado. Entretanto, forças conservadoras dominadas pela elite empreendem um conjunto de reações que tentam conter o avanço das forças progressistas.
Há quatro marcas predominantes dessa ação das elites conservadoras: a desinformação, com a falta de transparência a respeito das políticas voltadas para aquilo que eles chamam de reformas; a inversão, com a tentativa de chamar de causa aquilo que é efeito a respeito da violência, da corrupção e da desigualdade social, que são os maiores problemas enfrentados pela população; o moralismo exacerbado fundado em preconceitos e intolerância; e a farsa, com a produção de inverdades ou fake news que são divulgadas largamente pelas redes sociais com o objetivo de criar uma atmosfera de medo e de ódio. Hoje, a polarização não é mais entre dois partidos, ou duas ideias opostas, mas entre democracia e ditadura, entre desenvolvimento e retrocesso, entre avanços nas conquistas sociais e mais concentração de renda.
Esse projeto tem raízes históricas, que foram sendo estabelecidas ao longo da formação do Estado brasileiro. A tentativa de se inviabilizar, demonizar e excluir um candidato e um partido do processo eleitoral, que tem sido chamada de antipetismo e antilulismo (referências ao Partido dos Trabalhadores e a Lula, respectivamente), tem suas raízes no anticomunismo praticado desde os tempos do Estado Novo, na década de 1930. A raiz do moralismo em nome da defesa da pátria da família e da religião está na base de sustentação do golpe militar de 1964. E a raiz da retirada de direitos sociais e trabalhistas está nos discursos de contestação do movimento sindical desde a década de 1970 e 1980.
Esse projeto oligárquico de poder está fundamentado na desconstrução da lógica da luta contra a desigualdade social e a consequente tentativa de desarticulação dos movimentos populares e de setores da sociedade que lutam na defesa dos direitos. Para garantir a hegemonia desse projeto, as forças oligárquicas e a elite conservadora não têm escrúpulos. Flertam com ideologias que disseminam o ódio a quem pensa contrariamente, que fazem apologia à tortura e a regimes totalitários, bem como as que favorecem tanto a concentração de renda quanto a exclusão social.
O discurso hegemônico apela para uma interpretação anacrônica dos fatos históricos, ao medo de que certas situações ficcionais se concretizem e à construção de um imaginário social desprovido da realidade. Exemplo disso são as falas que apregoam o risco de uma “venezuelização”, que anunciam a possibilidade de uma invasão comunista, que denunciam uma suposta organização continental para fazer frente ao capitalismo etc. Esse discurso acaba alimentando uma cegueira a respeito dos verdadeiros desmandos que acontecem no país, com um governo mergulhado em denúncias de corrupção e com a venda de nossas principais riquezas ao capital estrangeiro a baixo custo.
Esse discurso acaba cooptando uma parcela expressiva de pessoas que vivem em situação de exploração e pobreza. Faz com que o oprimido reproduza o discurso do opressor, que o explorado promova a lógica do explorador, que aqueles que são destituídos de seus direitos apelem para a coerção, para o punitivismo e o uso de um rigor legalista em nome do combate à corrupção, como se essa fosse a causa de todos os males, e não o efeito nocivo de uma sociedade fundada no exercício do poder na mão dos ricos e poderosos, que produz uma estrutura injusta que permite que milhões vivam em situação de pobreza e miséria.
Esse discurso também é reforçado por uma agenda moralista, que se baseia no fundamentalismo religioso, na intolerância contra quem pensa diferente, na condenação do pensamento crítico e na afirmação de preconceitos raciais, misóginos e homofóbicos. E está presente na prática de lideranças religiosas que procuram induzir a fala, o voto e as atitudes dos fiéis em favor de uma ideologia que favorece a elite conservadora e que discrimina os apelos populares.
Veja algumas das ficções promovidas por esse discurso hegemônico que estão presentes na consolidação desse atual cenário político: a corrupção foi criada e praticada por um único partido; a “ideologia de gênero” é uma ameaça à família; o comunismo quer acabar com o cristianismo; esquerda e direita não existem; políticos são todos iguais; o mercado tem que ser livre. Essas e outras afirmações desprovidas de reflexão crítica são colocadas como verdades absolutas e acabam fortalecendo o ódio a quem apresente uma outra forma de olhar a realidade. Elas fortalecem preconceitos de toda ordem, discriminação por questão de gênero, religião e posição política, exclusão social e até ações hostis entre pessoas e grupos, inclusive com a possibilidade de vir a tornar-se como política de Estado.
O cenário atual expõe a face oculta do que impede o Brasil superar suas dificuldades. O povo paga um alto preço por isso com desemprego, juros escorchantes e lucratividade disfarçada de “custo Brasil”. Muitos são levados a achar que a única causa disso é a corrupção, mas ela é na verdade o efeito de uma manobra mais complexa. É claro que a corrupção é um grave problema e precisa ser combatida. Mas até mesmo a corrupção exposta pela Lava Jato não passa de um pequeno retrato do que acontece em todos os setores da vida pública, envolvendo elites ligadas ao judiciário, ao Congresso Nacional, ao empresariado do grande negócio, aos especuladores financeiros e à grande imprensa. E essa elite é responsável por um verdadeiro assalto e desvio de foco das políticas públicas, com emprego das verbas que deveriam ser destinadas para o benefício da população.
O Brasil é dominado por uma elite patrimonialista, que entende o Estado como patrimônio particular seu, em que tudo o que o Estado faz é para atender aos seus interesses. Para essa elite, temas como soberania popular, direitos sociais e distribuição de renda soam como afronta. Ela está mais afeita a uma economia de cunho neoliberal e a um regime de poder neofascista. A essa elite interessa que o povo seja mal formado, mal informado e mal orientado quanto aquilo que pode ser feito para interromper esse esquema que atravessa a história do Estado Brasileiro, desde o começo da República. Ela trabalha incansavelmente para que o povo, em sua grande maioria, seja constituído de pessoas que não estejam aptas a pensar por si mesmas e sejam impedidas de decidir democraticamente seu destino.
Esse cenário é perigoso. Ele se assemelha ao contexto de surgimento do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, nas décadas de 1920 e 1930, e que resultou na catástrofe que foi a Segunda Guerra Mundial. É semelhante também às circunstâncias que deram origem ao golpe militar de 1964, com o consequente período da ditadura a que o Brasil foi submetido por 21 anos. Esse filme a gente já viu e o final é trágico. A gente torce para que o bom senso prevaleça e que as pessoas votem com a consciência e com o caráter. Se não, os próximos quatro anos serão bem difíceis.
(Foto: Primeira greve geral no Brasil, iniciada pelas mulheres em 1917. Disponível no site da BBC.)

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