Identificar
o fascismo é uma tarefa difícil. Ele se mascara como uma
alternativa viável para um tempo de crise, em que a população
encontra-se desacreditada das soluções políticas para a superação
de seus principais problemas. Trata-se de um movimento de extrema
direita que marcou a primeira metade do século XX e culminou com a maior
catástrofe da humanidade que foi a Segunda Guerra Mundial.
Tal
como é definido historicamente, o fascismo se caracteriza como um
movimento político, econômico e social que se desenvolveu em alguns
países europeus após a Primeira Guerra Mundial, em decorrência das
graves crises econômicas que alguns países enfrentaram, sobretudo
a Itália e a Alemanha.
Para
entender o fascismo, é preciso fazer uma investigação de dois
movimentos anteriores no pensamento político ocidental. O primeiro é
conhecido como cesarismo e o segundo é o bonapartismo. O cesarismo é
um conceito que procura definir um sistema de governo baseado na
autoridade suprema de um chefe militar e em seus feitos heroicos nos
tempos da antiguidade greco-romana. Um novo césar surge diante de
uma grave crise interna, como uma alternativa para restaurar a
sociedade e para superar supostas ameaças à unidade da nação. O
cesarismo foi marcado pelo forte aparato militar, pelo nacionalismo
exacerbado e pelo culto à personalidade.
Quanto
ao bonapartismo, trata-se de uma ideologia de governo com base no
despotismo e na submissão do poder legislativo ao poder executivo
que aconteceu na França do século XIX. Esse regime autoritário se
inspirava nos ideais iluministas de J.J. Rousseau. O aspecto
ditatorial do governo era disfarçado pela imagem carismática do
líder autoritário que usava de estratégias para exercer controle
sobre as diversas forças sociais. O bonapartismo baseou-se não só
no controle da economia por parte da burguesia, mas também das
formas hegemônicas de controle elitista do estado.
Karl
Marx e Friedrich Engels fazem uma análise desses dois movimentos, no
livro O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, e percebem um
aspecto ligado à formação histórica da luta de classes. Enquanto
o cesarismo da antiguidade estava ligado à afirmação da elite
dominante, o bonapartismo foi resultado de uma articulação no
interior da burguesia francesa, na década de 1840, para salvar sua
própria existência diante das manifestações das classes
operárias. A burguesia abriu mão de sua existência social e
política para se associar à ditadura de um político conservador.
Napoleão III fora eleito inicialmente como deputado e venceu as
eleições presidenciais na França com suas ideias liberais. Mas, em
1851, impedido de se reeleger, promoveu um golpe de estado que
restabeleceu o império como um regime ditatorial.
O
que ocorreu na Europa no começo do século XX tem mais a ver com a
influência do cenário politico do bonapartismo. Dois textos nos
ajudam a entender o fascismo desse período. O primeiro é de
Norberto Bobbio, intitulado Do fascismo à democracia. O
segundo é o discurso de Umberto Eco na Universidade de Columbia,
EUA, em 1995, cujo título foi “O Fascismo Eterno”, onde se
encontram 14 características dessa ideologia.
Norberto
Bobbio fez
uma análise das mudanças decorrentes da ascensão do fascismo na
Itália após a Primeira Guerra Mundial, que pôs fim a um período
de cerca de 80 anos de luta política para o estabelecimento de um
estado parlamentar, liberal e democrático. “O fascismo lhe
impôs, em poucos anos, um governo antiparlamentar, antiliberal e
antidemocrático” (p. 27). E o fez com o uso da violência de forma
belicista, autoritária e anticivilizatória, apegada à elite
dominante, com um discurso simplista, a favor da higienização
racial e ideológica. A ideologia fascista construiu a ideia de que o
“estado é tudo, o indivíduo é nada” como a essência do que
foi o totalitarismo.
A ideologia
fascista, segundo Bobbio, é contrária aos regimes democráticos e
marcadamente reacionária. Isso quer dizer que era contrária às
ideias socialistas, às formas de organização sindical e às
representações populares. Cinco aspectos que marcam a ideologia
fascista: 1) leitura conservadora de teorias filosóficas da formação
do estado desde Rousseau a Hegel e o positivismo, com ênfase na
afirmação do estado burguês; 2) crítica histórica das
transformações promovidas pela Modernidade; 3) uma análise ética
centrada no moralismo favorável à dominação do senhor, do
guerreiro e do sacerdote; 4) uma perspectiva sociológica centrada na
ação de uma elite dominante, por uma classe política branca,
religiosa e endinheirada; uma ação política contrária às
instituições que sustentam a democracia e favorável a uma lógica
expansionista e antipacifista. Há ainda três imagens através das
quais o fascismo se manifesta: a defesa de uma ordem nacionalista e
de direita; a promoção de um novo regime em que há o primado da
política sobre a economia (portanto, era contrário tanto às ideias
liberais quanto marxistas); a afirmação de uma ideologia
higienista. Os próprios fascistas se definiam como uma síntese
entre o liberalismo e o socialismo, baseado no capitalismo e na
ditadura, como antítese da democracia.
Em resumo: “o
fascismo, não apenas o italiano, todos os fascismos, o fascismo, em
suma, como fenômeno histórico que se desenvolveu entre as duas
guerras mundiais, depois do sucesso da primeira revolução
socialista na história, é antes de tudo a defesa até o fim da
ordem social consolidada através da expansão da economia
capitalista correspondente à primeira revolução industrial” (p.
76).
Umberto Eco,
por
sua vez em O fascismo eterno (cujo conteúdo foi primeiramente apresentado em uma conferência na Universidade de Columbia, em 1995), afirmou que o fascismo tornou-se uma denominação para todos os
movimentos totalitários, embora em si mesmo possuísse uma forma
difusa que não permite uma única conceituação. Ele é antes uma
“colmeia de contradições” formada
a partir de diversas ideias políticas e filosóficas. O fascismo
nasceu proclamando uma nova ordem revolucionária, financiado por uma
elite conservadora que esperava uma contrarrevolução. Diz
Eco: “era
um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um
‘desconjuntamento ordenado’, uma confusão estruturada”. No
entanto, o nazismo, como
um regime inspirado no fascismo italiano, teve uma característica
mais uniforme.
O
termo “fascismo”, portanto, se refere a toda forma de dominação
em que estão presentes elementos do despotismo e do fanatismo. Por
isso mesmo, Eco procurou
definir o que chamou de “fascismo eterno” ou “ur-fascismo”,
com características que podem ser contraditórias entre si, mas que
cada uma delas contribui para a formação de uma “nebulosa
fascista”. Elas
são
apresentadas
aqui de forma sintética:
culto à tradição; recusa da Modernidade; culto da ação pela
ação; rejeição à crítica; o medo à diferença (o fascismo é
racista por definição); provém da frustração da classe média;
apelo à xenofobia (nacionalismo exagerado); condenação da
prosperidade do inimigo; rejeição ao pacifismo; elitismo; mito
do herói fascista; exaltação do machismo; ênfase no populismo
qualitativo; emprego de um discurso simplista baseado num vocabulário
pobre e numa
sintaxe elementar (uma espécie de “novilíngua”, de George
Orwell em 1984).
Depois
dessas considerações, é preciso perguntar: uma nova onda fascista
se levanta no Brasil? A resposta é sim. O
Brasil flerta com o fascismo desde o surgimento do movimento
integralista da
década de 1930.
Inspirado
na doutrina social do catolicismo, o integralismo brasileiro defendia
o respeito à ordem social, bem como a valorização das aptidões do
indivíduo e do mérito pessoal. Há quem diga que não se tratava de
um movimento fascista propriamente, mas seus princípios
reacionários, de proteção da família burguesa e
de combate aos movimentos comunistas o aproximam do fascismo e do
nazismo. Embora derrotado politicamente, os ideais do integralismo
não cessaram. Eles estiveram presentes na derrubada da ditadura
Vargas e
na articulação para o golpe de 1964, e estão
embutidos nos
vários discursos que hoje caracterizam o antipetismo e o apelo da
elite conservadora e oligárquica pelo retorno da ditadura militar.
Eco
disse
que “o
fascismo eterno ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes
civis". E
encerrou
aquele
seu
discurso dizendo: “O
Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é
desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas
formas — a cada dia, em cada lugar do mundo”. Eu
diria hoje que o fascismo voltou. Nós já o vencemos uma vez, vamos
vencer de novo. A
luta pela liberdade é uma tarefa que não acaba nunca.
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