segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O que é fascismo: para entender o avanço da extrema direita no Brasil / What is Fascism? / ¿Qué es el fascismo?


Identificar o fascismo é uma tarefa difícil. Ele se mascara como uma alternativa viável para um tempo de crise, em que a população encontra-se desacreditada das soluções políticas para a superação de seus principais problemas. Trata-se de um movimento de extrema direita que marcou a primeira metade do século XX e culminou com a maior catástrofe da humanidade que foi a Segunda Guerra Mundial.
Tal como é definido historicamente, o fascismo se caracteriza como um movimento político, econômico e social que se desenvolveu em alguns países europeus após a Primeira Guerra Mundial, em decorrência das graves crises econômicas que alguns países enfrentaram, sobretudo a Itália e a Alemanha.
Para entender o fascismo, é preciso fazer uma investigação de dois movimentos anteriores no pensamento político ocidental. O primeiro é conhecido como cesarismo e o segundo é o bonapartismo. O cesarismo é um conceito que procura definir um sistema de governo baseado na autoridade suprema de um chefe militar e em seus feitos heroicos nos tempos da antiguidade greco-romana. Um novo césar surge diante de uma grave crise interna, como uma alternativa para restaurar a sociedade e para superar supostas ameaças à unidade da nação. O cesarismo foi marcado pelo forte aparato militar, pelo nacionalismo exacerbado e pelo culto à personalidade.
Quanto ao bonapartismo, trata-se de uma ideologia de governo com base no despotismo e na submissão do poder legislativo ao poder executivo que aconteceu na França do século XIX. Esse regime autoritário se inspirava nos ideais iluministas de J.J. Rousseau. O aspecto ditatorial do governo era disfarçado pela imagem carismática do líder autoritário que usava de estratégias para exercer controle sobre as diversas forças sociais. O bonapartismo baseou-se não só no controle da economia por parte da burguesia, mas também das formas hegemônicas de controle elitista do estado.
Karl Marx e Friedrich Engels fazem uma análise desses dois movimentos, no livro O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, e percebem um aspecto ligado à formação histórica da luta de classes. Enquanto o cesarismo da antiguidade estava ligado à afirmação da elite dominante, o bonapartismo foi resultado de uma articulação no interior da burguesia francesa, na década de 1840, para salvar sua própria existência diante das manifestações das classes operárias. A burguesia abriu mão de sua existência social e política para se associar à ditadura de um político conservador. Napoleão III fora eleito inicialmente como deputado e venceu as eleições presidenciais na França com suas ideias liberais. Mas, em 1851, impedido de se reeleger, promoveu um golpe de estado que restabeleceu o império como um regime ditatorial.
O que ocorreu na Europa no começo do século XX tem mais a ver com a influência do cenário politico do bonapartismo. Dois textos nos ajudam a entender o fascismo desse período. O primeiro é de Norberto Bobbio, intitulado Do fascismo à democracia. O segundo é o discurso de Umberto Eco na Universidade de Columbia, EUA, em 1995, cujo título foi “O Fascismo Eterno”, onde se encontram 14 características dessa ideologia.
Norberto Bobbio fez uma análise das mudanças decorrentes da ascensão do fascismo na Itália após a Primeira Guerra Mundial, que pôs fim a um período de cerca de 80 anos de luta política para o estabelecimento de um estado parlamentar, liberal e democrático. “O fascismo lhe impôs, em poucos anos, um governo antiparlamentar, antiliberal e antidemocrático” (p. 27). E o fez com o uso da violência de forma belicista, autoritária e anticivilizatória, apegada à elite dominante, com um discurso simplista, a favor da higienização racial e ideológica. A ideologia fascista construiu a ideia de que o “estado é tudo, o indivíduo é nada” como a essência do que foi o totalitarismo.
A ideologia fascista, segundo Bobbio, é contrária aos regimes democráticos e marcadamente reacionária. Isso quer dizer que era contrária às ideias socialistas, às formas de organização sindical e às representações populares. Cinco aspectos que marcam a ideologia fascista: 1) leitura conservadora de teorias filosóficas da formação do estado desde Rousseau a Hegel e o positivismo, com ênfase na afirmação do estado burguês; 2) crítica histórica das transformações promovidas pela Modernidade; 3) uma análise ética centrada no moralismo favorável à dominação do senhor, do guerreiro e do sacerdote; 4) uma perspectiva sociológica centrada na ação de uma elite dominante, por uma classe política branca, religiosa e endinheirada; uma ação política contrária às instituições que sustentam a democracia e favorável a uma lógica expansionista e antipacifista. Há ainda três imagens através das quais o fascismo se manifesta: a defesa de uma ordem nacionalista e de direita; a promoção de um novo regime em que há o primado da política sobre a economia (portanto, era contrário tanto às ideias liberais quanto marxistas); a afirmação de uma ideologia higienista. Os próprios fascistas se definiam como uma síntese entre o liberalismo e o socialismo, baseado no capitalismo e na ditadura, como antítese da democracia.
Em resumo: “o fascismo, não apenas o italiano, todos os fascismos, o fascismo, em suma, como fenômeno histórico que se desenvolveu entre as duas guerras mundiais, depois do sucesso da primeira revolução socialista na história, é antes de tudo a defesa até o fim da ordem social consolidada através da expansão da economia capitalista correspondente à primeira revolução industrial” (p. 76).
Umberto Eco, por sua vez em O fascismo eterno (cujo conteúdo foi primeiramente apresentado em uma conferência na Universidade de Columbia, em 1995), afirmou que o fascismo tornou-se uma denominação para todos os movimentos totalitários, embora em si mesmo possuísse uma forma difusa que não permite uma única conceituação. Ele é antes uma “colmeia de contradições” formada a partir de diversas ideias políticas e filosóficas. O fascismo nasceu proclamando uma nova ordem revolucionária, financiado por uma elite conservadora que esperava uma contrarrevolução. Diz Eco: “era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um ‘desconjuntamento ordenado’, uma confusão estruturada”. No entanto, o nazismo, como um regime inspirado no fascismo italiano, teve uma característica mais uniforme.
O termo “fascismo”, portanto, se refere a toda forma de dominação em que estão presentes elementos do despotismo e do fanatismo. Por isso mesmo, Eco procurou definir o que chamou de “fascismo eterno” ou “ur-fascismo”, com características que podem ser contraditórias entre si, mas que cada uma delas contribui para a formação de uma “nebulosa fascista”. Elas são apresentadas aqui de forma sintética: culto à tradição; recusa da Modernidade; culto da ação pela ação; rejeição à crítica; o medo à diferença (o fascismo é racista por definição); provém da frustração da classe média; apelo à xenofobia (nacionalismo exagerado); condenação da prosperidade do inimigo; rejeição ao pacifismo; elitismo; mito do herói fascista; exaltação do machismo; ênfase no populismo qualitativo; emprego de um discurso simplista baseado num vocabulário pobre e numa sintaxe elementar (uma espécie de “novilíngua”, de George Orwell em 1984).
Depois dessas considerações, é preciso perguntar: uma nova onda fascista se levanta no Brasil? A resposta é sim. O Brasil flerta com o fascismo desde o surgimento do movimento integralista da década de 1930. Inspirado na doutrina social do catolicismo, o integralismo brasileiro defendia o respeito à ordem social, bem como a valorização das aptidões do indivíduo e do mérito pessoal. Há quem diga que não se tratava de um movimento fascista propriamente, mas seus princípios reacionários, de proteção da família burguesa e de combate aos movimentos comunistas o aproximam do fascismo e do nazismo. Embora derrotado politicamente, os ideais do integralismo não cessaram. Eles estiveram presentes na derrubada da ditadura Vargas e na articulação para o golpe de 1964, e estão embutidos nos vários discursos que hoje caracterizam o antipetismo e o apelo da elite conservadora e oligárquica pelo retorno da ditadura militar.
Eco disse que “o fascismo eterno ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis". E encerrou aquele seu discurso dizendo: “O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo”. Eu diria hoje que o fascismo voltou. Nós já o vencemos uma vez, vamos vencer de novo. A luta pela liberdade é uma tarefa que não acaba nunca.

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