A França tem sofrido, nos
últimos dois anos, os mais graves atentados terroristas ligados à jihad
islâmica no Ocidente. Tudo começou depois que, em 2013, o governo francês resolveu
intensificar luta contra o jihadismo e isso tem feito com que seu território se
transforme num campo de batalha do terrorismo, ao ponto de o presidente
François Hollande declarar que a os franceses terão que aprender a conviver com
o terror.
A França vive em uma guerra de
fato. Além de três grandes ataques desde o atentado contra o Charlie Hebdo, em janeiro
de 2015, vários outros pequenos incidentes têm acontecido e muitos outros
evitados pela inteligência e pela polícia francesa. Toda a França está sob
ameaça do terrorismo. A pergunta que se faz é: por que a França está no centro
desses ataques? Primeiramente – e o que parece mais óbvio –, porque os ataques
são uma retaliação ao envolvimento militar dos franceses na guerra contra o
Estado Islâmico. Mas não é só isso, embora essa seja uma grave explicação.
Para entender o que acontece com
a França neste momento, é preciso levar em consideração dois aspectos: primeiramente,
os autores dos atentados; em seguida, o momento e as circunstâncias em que eles
ocorrem. No caso do ataque de Nice, o autor era um tunisiano de confissão muçulmana
já radicado na França. A Tunísia, país que fica no norte da África, foi uma
colônia francesa até o ano de 1956. Foi ali também que, em 2011, se desencadeou
o movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe. Entretanto, as
circunstâncias em que o ataque aconteceu afetam os valores culturais e
históricos dos franceses: a comemoração no feriado da Queda da Bastilha, marco
histórico da luta pela liberdade, igualdade e fraternidade, os grandes ideais
iluministas.
Além da causa militar, outro
motivo que fica evidente é o ataque aos valores defendidos pela cultura
francesa, voltados para a defesa da democracia, para a laicidade e para a
liberdade. Tais valores são opostos aos ideais islâmicos, notadamente os que o
EI defende de forma radical. O que os fundamentalistas parecem pretender é a criação
de uma mentalidade “islamofóbica”, que desencadeie um estado de instabilidade
civil nas populações muçulmanas que já vivem na Europa, e não só em relação aos
movimentos migratórios que atualmente acontecem.
Mas uma outra causa está por
trás dessa onda de ataques terroristas na França, que é o colapso do capitalismo
mundial. O sistema econômico criado, desenvolvido e mantido pelo Ocidente dá
sinais evidentes de que entrou em declínio. Já não dá mais para se sustentar
uma mentalidade que promove a concentração de renda por uns poucos (aquele 1%)
e que explora todo restante relegando uma massa de gente a uma série de
condições de desigualdade. Alguns teóricos, como o jornalista britânico Paul
Mason, chegam a afirmar que já vivemos num período que podemos chamar de
pós-capitalista. E, de fato, já se verifica no mundo um conjunto de práticas,
ações e até de formas organizacionais que não se rendem mais à lógica de
mercado, mas que também buscam alternativas para substituir o poder hegemônico da
minoria que detém a riqueza e o controle de sua produção.
Há sinais históricos do colapso do
capitalismo, tais como: a queda do muro de Berlim em 1989, a crise da Bolsa de Nova
Iorque em 2008 e o fenômeno recente do “Brexit” na Inglaterra. Há sinais
históricos do fracasso da política das grandes potências: o ataque às torres
gêmeas 11 de setembro de 2001, a Guerra do Iraque que começou em 2003 e crise
de migração no mediterrâneo que preocupa o mundo desde o seu auge em 2015. Há sinais
históricos de que o mundo está perdido: o agravamento da questão climática, o
fortalecimento da extrema direita e os atentados terroristas na Europa, não só
na França.
Um porta-voz do Estado Islâmico disse em setembro de
2014: “Bata com uma pedra na cabeça, ou
mate com uma faca, ou atropele com seu carro, ou empurre de um lugar alto, ou
asfixie, ou envenene [todos os descrentes ocidentais]. Especialmente, os sujos
e desprezíveis franceses”. Este não é apenas um chamamento ao ódio e à
vingança, embora esteja muito claro na fala de um jihadista. Porém, o implícito
está ligado a tudo o que o Ocidente construiu, que é um regime de exploração –
que beneficia uma oligarquia formada por banqueiros e grandes empresários – sustentado
por estruturas políticas resultantes de uma democracia representativa que favorece
a manutenção desse mesmo regime de exploração. A França é um símbolo dessa lógica predominante no Ocidente. A gente aqui no Brasil não pode
se esquecer que não só somos um produto do Ocidente, mas que também somos
ocidentais em nossa formação cultural.
(Charge
de Warren Brown para o jornal britânico The
Daily Telegraph, em novembro de 2015, reproduzido pelo site do Uol
Notícias).
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