Os jogos olímpicos, em sua
versão primeira, foram criados para se promover a paz. Já naquela época se
entendia que o esporte inspira ações de tolerância, solidariedade, de inclusão
social, de educação e de pacificação, tendo em vista a construção de uma
sociedade mais justa. Isso vale para hoje também. Nelson Mandela chegou a dizer que “o esporte fala às pessoas em uma linguagem que elas
podem entender”. E as Olimpíadas se constituem como o ponto máximo
de realização desses ideais humanos.
A Grécia antiga, por volta do
século VIII a.C., vivia em meio às guerras entre suas cidades e para se
proteger dos impertinentes invasores. Os gregos, então, propuseram um período
de trégua, ao qual chamaram de Ekecheiria, que significa “dar as mãos”. Durante
esse período, atletas, artistas e peregrinos, bem como seus familiares,
poderiam viajar em segurança para Olímpia, o local dos jogos olímpicos, e
retornar do mesmo modo para suas cidades. Esse tempo equivalia a sete dias
antes dos jogos e a sete dias depois dos jogos, chamado de trégua olímpica ou
paz olímpica. A cidade onde os jogos eram realizados era considerada como
território neutro, ainda que as cidades participantes estivessem em guerra.
Ali, inclusive, líderes militares poderiam fazer seus acordos de paz.
Na reedição dos jogos olímpicos
na contemporaneidade, a tradição de se buscar um período de trégua durante o
torneio vem sendo mantida. Mas, somente em 1991, por causa dos conflitos na extinta
Iugoslávia, o Comitê Olímpico internacional começou a mobilizar meios para a adoção
da trégua olímpica como um tema de interesse internacional. Desse modo, em 1992,
a ONU convocou a todos os países signatários a observarem um período de trégua durante
os jogos já a partir da Olimpíada de Barcelona, naquele ano. Em 1993, então, são
instituídos os 100 Dias de Paz para todos os jogos olímpicos e paralímpicos de
verão e inverno.
Em face dos muitos conflitos que
o mundo enfrenta, Ban Ki-Moon, o Secretário-Geral da ONU, pediu um cessar das
hostilidades no mundo todo, ao aproximar-se a edição deste ano dos jogos na
cidade do Rio de Janeiro. “Uma pausa nas lutas manifestaria os valores que os Jogos
buscam promover: respeito, amizade, solidariedade e igualdade”, disse.
Embora o esporte seja um fator
importante para a promoção da tolerância, da solidariedade e da paz, nem sempre
os jogos olímpicos conseguiram promover uma trégua. Durante as realizações nos
tempos modernos, duas guerras mundiais aconteceram de modo a cancelar algumas
edições. Até mesmo durante a chamada guerra fria, aconteceram boicotes, proibições
e até atentados, como foi o caso dos jogos de Munique, em 1972, quando onze atletas de
Israel foram mortos pelo grupo terrorista palestino Setembro Negro. A única
edição que recebeu 100% de adesão dos países-membros da ONU foi a de Londres,
em 2012.
De acordo com a decisão aprovada
em outubro de 2015 na ONU, 180 dos 193 países-membros concordaram em observar
uma paralisação dos conflitos durante os jogos do Rio 2016, a começar,
portanto, nesta sexta-feira, 29 de julho. O documento que trata da trégua
olímpica neste ano recebe o título de “Esporte
para o desenvolvimento e a paz: construindo um mundo mais pacífico e melhor por
meio do esporte e do ideal olímpico”. Nele, foram incluídas preocupações
com a proteção e a educação de meninos e meninas em todo o mundo.
Para um tempo marcado pela crise
dos refugiados e pelos ataques terroristas, a expectativa de que a trégua
olímpica se torne realidade já é um alento. Isso deve valer também para que se
observe um cessar na intolerância, no preconceito e nas hostilidades entre as
pessoas, não só entre nações. Isso deve valer mais ainda para os conflitos internos
no nosso país: guerras de quadrilha pelo controle do tráfico, agressões e
ofensas por causa de intolerância religiosa e ideológica bem como a tramitação
do golpe de estado em curso no país com aparência de legalidade, que é o
impeachment atual.
Um evento dessa magnitude, que
acontece pela primeira vez num país latino-americano, certamente comporta
críticas de várias naturezas. Mas não podemos perder a chance histórica de
cuidar das relações uns com os outros, de lembrarmos que somos todos humanos,
de que ainda é possível sonhar com um tempo de paz para a nossa cidade, para o
nosso país e para o mundo em que vivemos.
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