domingo, 24 de julho de 2016

Viver de um modo digno / Live worthily / Vivir de manera digna

“Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica.” Filipenses 1.27
A maior dificuldade do evangelho não é a oposição ou a indiferença que o mundo tem a ele, mas a falta de habilidade dos cristãos em vivê-lo completamente. O grande desafio da vida cristã é vivê-la integralmente no mundo, em meio às circunstâncias históricas de nossa existência. A maneira como Paulo encoraja aos cristãos a que vivam de um modo digno do evangelho tem a ver com a nossa cidadania. E isso é uma conquista que se faz no campo político.
Para Hanna Arendt, a cidadania corresponde ao direito a ter direitos, quer dizer, ao direito de pertencer a uma comunidade e de desfrutar daqueles direitos de ter uma vida humana digna, não importa a nossa origem, a nossa condição social, a nossa opção ideológica ou de qualquer outra natureza. Trata-se do direito a ter direitos pelo fato de sermos humanos. E é justamente aí que reside toda a crise dos direitos humanos atuais.
Não precisamos de uma apologética, nem de um corpo doutrinário são nem mesmo de uma moral rígida para que vivamos no mundo de um modo digno do evangelho. Bastaria entendermos a nossa própria condição humana e desejarmos que aquilo que nos confere dignidade se transforme em um bem desfrutado por todos os cidadãos no mundo.
Nessa afirmação de Paulo, duas questões estão em aberto: o que é uma vida digna de ser vivida? O que é a fé evangélica? Dito de outro modo: o que é preciso fazer para que construamos uma vida digna na dimensão do evangelho?
Uma vida digna é aquela em que nos tornamos participantes da construção de uma sociedade mais justa, onde todos têm direito a um teto, a um trabalho, ao alimento, à segurança, à educação, à saúde e até ao lazer e à expressão cultural. Não pode haver dignidade onde falta a justiça. Da mesma forma, não pode haver justiça onde falta misericórdia. E não pode haver misericórdia se não formos tomados pelo mesmo amor que tomou o coração do Pai ao se oferecer, na pessoa de Jesus, para ser solidário às pessoas mais vulneráveis em sua própria dor.
A fé evangélica é aquela que nasce das narrativas e ensinos deixados por Jesus. Isso quer dizer que não basta pertencer a uma comunidade religiosa, cumprir rituais e regras, obedecer a uma hierarquia e financiar a sua estrutura. Há que se compreender a essência do que motivou Jesus a viver do modo que viveu e o cerne de seu ensino para a vida que ministrou a todos aqueles a quem chamou para segui-lo.
Claro que pertencer a uma comunidade religiosa que professa a sua fé no evangelho de Jesus é importante e até fundamental. Não existe vida cristã sem compromisso com a comunidade daqueles que possuem a mesma fé. Porém, isso não é fator determinante para se viver de um modo digno, pois trata-se de uma necessidade humana.
Paulo fala de um modo como se esse fosse o compromisso primeiro da fé cristã, do qual todos os outros derivam e ganham maior significado. Não importa o que aconteça, seja a fartura ou a escassez, precisamos viver de maneira digna como cristãos no mundo. Não importa se as pessoas vão reconhecer ou valorizar. Viver de modo digno do evangelho independe de programa, de campanhas, de filiação religiosa ou até mesmo de conhecimento teórico de como é possível fazê-lo.
É bom lembrar que, para isso, Paulo faz um apelo. O maior esforço no exercício de proclamar o evangelho e de expandir o Reino de Deus está em construir uma vida digna no mundo. Para esse propósito, todos os cristãos deveriam estar unidos, num mesmo espírito e de forma unânime. Não deveria ser necessário uma voz de comando ou uma vigilância moral superior. Bastaria que isso se constituísse em nosso desejo mais profundo.

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