“Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania
de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja,
quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês
permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica.” Filipenses 1.27
A maior dificuldade do evangelho
não é a oposição ou a indiferença que o mundo tem a ele, mas a falta de
habilidade dos cristãos em vivê-lo completamente. O grande desafio da vida
cristã é vivê-la integralmente no mundo, em meio às circunstâncias históricas
de nossa existência. A maneira como Paulo encoraja aos cristãos a que vivam de
um modo digno do evangelho tem a ver com a nossa cidadania. E isso é uma
conquista que se faz no campo político.
Para Hanna Arendt, a cidadania
corresponde ao direito a ter direitos, quer dizer, ao direito de pertencer a uma
comunidade e de desfrutar daqueles direitos de ter uma vida humana digna, não
importa a nossa origem, a nossa condição social, a nossa opção ideológica ou de
qualquer outra natureza. Trata-se do direito a ter direitos pelo fato de sermos
humanos. E é justamente aí que reside toda a crise dos direitos humanos atuais.
Não precisamos de uma
apologética, nem de um corpo doutrinário são nem mesmo de uma moral rígida para
que vivamos no mundo de um modo digno do evangelho. Bastaria entendermos a
nossa própria condição humana e desejarmos que aquilo que nos confere dignidade
se transforme em um bem desfrutado por todos os cidadãos no mundo.
Nessa afirmação de Paulo, duas questões
estão em aberto: o que é uma vida digna de ser vivida? O que é a fé evangélica?
Dito de outro modo: o que é preciso fazer para que construamos uma vida digna
na dimensão do evangelho?
Uma vida digna é aquela em que
nos tornamos participantes da construção de uma sociedade mais justa, onde
todos têm direito a um teto, a um trabalho, ao alimento, à segurança, à
educação, à saúde e até ao lazer e à expressão cultural. Não pode haver
dignidade onde falta a justiça. Da mesma forma, não pode haver justiça onde
falta misericórdia. E não pode haver misericórdia se não formos tomados pelo
mesmo amor que tomou o coração do Pai ao se oferecer, na pessoa de Jesus, para
ser solidário às pessoas mais vulneráveis em sua própria dor.
A fé evangélica é aquela que
nasce das narrativas e ensinos deixados por Jesus. Isso quer dizer que não
basta pertencer a uma comunidade religiosa, cumprir rituais e regras, obedecer
a uma hierarquia e financiar a sua estrutura. Há que se compreender a essência
do que motivou Jesus a viver do modo que viveu e o cerne de seu ensino para a
vida que ministrou a todos aqueles a quem chamou para segui-lo.
Claro que pertencer a uma
comunidade religiosa que professa a sua fé no evangelho de Jesus é importante e
até fundamental. Não existe vida cristã sem compromisso com a comunidade
daqueles que possuem a mesma fé. Porém, isso não é fator determinante para se
viver de um modo digno, pois trata-se de uma necessidade humana.
Paulo fala de um modo como se
esse fosse o compromisso primeiro da fé cristã, do qual todos os outros derivam
e ganham maior significado. Não importa o que aconteça, seja a fartura ou a escassez,
precisamos viver de maneira digna como cristãos no mundo. Não importa se as
pessoas vão reconhecer ou valorizar. Viver de modo digno do evangelho independe
de programa, de campanhas, de filiação religiosa ou até mesmo de conhecimento
teórico de como é possível fazê-lo.
É bom lembrar que, para isso,
Paulo faz um apelo. O maior esforço no exercício de proclamar o evangelho e de
expandir o Reino de Deus está em construir uma vida digna no mundo. Para esse
propósito, todos os cristãos deveriam estar unidos, num mesmo espírito e de
forma unânime. Não deveria ser necessário uma voz de comando ou uma vigilância
moral superior. Bastaria que isso se constituísse em nosso desejo mais
profundo.
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