“[...] E quem é o meu próximo?”
Lucas
10.29
Jesus
chamou os religiosos de seu tempo a repensarem a maneira como orientavam sua
compreensão do mundo e da missão. Ele apresentou a parábola do bom samaritano com uma proposta para se
rever a maneira como a religião lida com o outro e o diferente a partir da
pergunta: “quem é o meu próximo?”.
Mas ela pode ser tomada também como uma metáfora do mundo atual, de modo que os
bandidos podem ser vistos como os ticos e poderosos de hoje, a vítima corresponde
aos pobres, oprimidos e explorados desse tempo e os religiosos como aqueles que
estão indiferentes às dores do mundo.
O mundo carece de bons como o samaritano
da parábola: pessoas que constroem um mundo melhor para o que sofre as
consequências da maldade. Os próximos de hoje são os muitos explorados e
oprimidos do sistema econômico capitalista mundial que entrou em colapso.
Vivemos no contexto de uma ordem mundial criminosa e genocida liderada por uma
pequena elite que consente acerca de quem vive e quem morre.
O sistema social, econômico, político e
judicial no mundo é dominado por uma ideologia que legitima o extermínio por
meio da exploração. É constrangedor saber que, neste tempo, pessoas tenham que
abandonar sua terra para migrarem em busca de sobrevivência nos países que os
exploram, que comunidades inteiras tenham que ser desalojadas em nome de um
progresso que enriquece a poucos, que ainda haja no mundo pessoas que passem
fome, morram de frio e sofram com falta de assistência médica.
Isso para não falar da questão
ambientalista, das relações familiares, da diversidade de gênero e outras
tantas questões que estão presentes na pauta da sociedade atual. Uma
espiritualidade pluralista não pode estar alienada dos processos sociais,
econômicos e políticos que orientam os problemas que afligem a humanidade. Para
tornar-se relevante para esse tempo, é preciso se dar conta de que há um
percurso a ser assumido, que nos remete ao outro e nos reconduz ao lugar em que
somos construídos, de forma que permita uma nova compreensão de nossa missão e
identidade e o aprofundamento de nossa experiência de Deus no mundo.
São tantas pessoas que morrem vítimas da injustiça e da desigualdade
atualmente que nos tornamos indiferentes às suas causas. Dificilmente pensamos
que alguém que sofra em uma situação de desigualdade pode ser uma vítima do
sistema em que vivemos. Ainda temos muitas dúvidas acerca de quem é nosso
próximo.
Um jovem que morre de overdose é uma pessoa assassinada.
Uma criança que morre de bala perdida é uma pessoa assassinada.
Um idoso que morre por não poder pagar o plano de saúde é uma pessoa
assassinada.
Um sem-teto que morre de frio na rua é uma pessoa assassinada.
Um pobre que morre na fila de espera do hospital é uma pessoa
assassinada.
Um imigrante que morre afogado no Mediterrâneo é uma pessoa assassinada.
Uma criança que morre de fome é uma criança assassinada.
Se Jesus viesse a nós agora, ele ainda perguntaria sobre quem é o próximo
dessas vítimas da desigualdade, da injustiça e da opressão de nosso tempo. É
triste constatar que poucos são os cristãos que se importariam com o sofrimento
dessas pessoas. “Qual destes três você
acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lucas 10.36), perguntaria Jesus a nós.
Talvez vivamos uma época como cristãos que não somos
dignos sequer de sermos tratados como samaritanos. A menos que sejamos capazes
de obedecer a Jesus, quando disse: “[...]
Vá e faça o mesmo”
(Lucas
10.37).
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