
Deus pode ser conhecido como aquele que não pode ser expresso com a palavra, não mais de um modo conceitual e provável. Quando se tenta estabelecer o conhecimento de Deus a partir do conceito, tal como na modernidade, corre-se o risco de ter uma idéia de Deus como um ídolo, de acordo com os limites da própria razão, e não em sua essência de Deus. Nisso consiste a história do ateísmo da modernidade, que é um ateísmo também conceitual, decorrente do erro de se ter pretendido, a partir da metafísica (e de uma teologia fundada em um saber metafísico), estabelecer princípios absolutos para o conhecimento de Deus de modo objetivo por meio dos conceitos. A experiência de Deus na pós-modernidade, segundo Castiñeira (1997, p. 149), implica em um modo diferente de ver, “em que Deus já não se oferece como objeto de visão, mas como o sujeito de um olhar que, silenciosa e discretamente, vê-nos na face”.
Isso, de forma alguma, não aponta para uma teologia da contemplação ou para uma teologia antimoderna, mas uma teologia que esteja “atenta em distinguir o conteúdo inefável da fé e o mesmo fato comunicável da fé” (CASTIÑEIRA, 1997, p. 150). Hans-Georg Gadamer, em Verdade e método (1998), por sua vez, elabora uma compreensão da linguagem humana em que a palavra é um puro acontecer, tomando como ponto de partida a idéia do “verbo de Deus” no prólogo do Evangelho de João. “A singularidade do acontecimento da redenção leva à introdução da essência histórica no pensamento ocidental e permite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sentido e se ofereça à reflexão filosófica” (GADAMER, 1998, p. 609).
Para Gadamer (1998), a palavra é criadora e salvadora. Da mesma forma com que Deus se fez carne, a palavra se torna som, ou seja, emerge e se manifesta em sua exteriorização como palavra. Enquanto a palavra de Deus é uma unidade perfeita que expressa o todo do divino, a palavra humana precisa ser sempre atualizada, porque é como espelho que reflete a expressão do que uma coisa é. A palavra humana, além disso, é palavra imperfeita porque não pode expressar o nosso espírito de maneira perfeita. Por causa das limitações do intelecto, precisamos de uma multiplicidade de palavras. A palavra também é acidente do espírito, uma vez que, como se dirige para a coisa, não pode contê-la em si como um todo. Gadamer vê nessa distinção entre palavra de Deus, que é una, e palavra humana, que é multiplicidade, uma relação puramente dialética que se aplica à proclamação da mensagem cristã.
A proclamação da salvação, o conteúdo da mensagem cristã, é, por sua vez, um acontecer de natureza própria no sacramento e na prédica, e tão-somente expressa aquilo que ocorreu no ato redentor de Cristo. Nessa medida, continua sendo uma única palavra, a que sempre de novo se proclama na prédica. É evidente que no seu caráter de mensagem, existe já uma alusão à multiplicidade de sua proclamação. O sentido da palavra não pode separar-se do acontecer dessa proclamação. O caráter de acontecer faz parte, antes, do próprio sentido. É como uma maldição, que evidentemente não se pode separar do fato de que é dita por alguém contra alguém. O que se pode compreender nela não é, em caso algum, um sentido lógico do enunciado, passível de ser abstraído, mas a maldição que nela tem lugar. O mesmo ocorre com a unidade e a multiplicidade da palavra que a Igreja anuncia. A morte na cruz e a ressurreição de Cristo são o conteúdo da mensagem da salvação que é pregada em todo sermão. O Cristo ressuscitado e o Cristo da prédica é um e o mesmo (GADAMER, 1998, 621).
A pós-modernidade reclama um discurso teológico capaz de despertar ainda o desejo de Deus que mantenha o essencial do cristianismo, que é o testemunho do Cristo mesmo, o Deus impregnado do humano, sem menosprezar a situação histórica que reinterpreta constantemente essa tradição. Uma teologia que assume uma hermenêutica atualizadora da palavra de Deus, que tenha em conta a distância e a diferença, que reclame um sujeito da maioridade que reafirme sua identidade diante do outro, que não tema apresentar o impensável Deus ausente. Castiñeira (1997, p. 153-154) afirma que “só um discurso teológico que tenha em conta os sujeitos sofredores da história, só um cabedal teológico cultivado a partir de uma comunidade de comunicação plural que entenda a Igreja como um espaço culturalmente policêntrico pode hoje triunfar”.
(Extraído de minha dissertação de mestrado em filosofia: Ética protestante e pós-modernidade)
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