quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Espiritualidade e secularidade / Spirituality and secularity / Espiritualidad y el secularismo

A despeito do que muitos dizem sobre a crescente influência do secularismo, Peter Berger, em seu livro Um rumor de anjos, verifica que a espiritualidade nunca esteve tão presente na sociedade contemporânea. Ele chama a atenção para as marcas de transcendência presentes nas ações humanas. A análise desse fenômeno interessa para a formulação de uma teologia de características antropológicas.
Um ponto de partida que se mostrou viável para a teologia foi a compreensão de que os fenômenos religiosos são projeções humanas, produtos da história, construídas pelo homem. Esse ponto de partida não pode deixar de considerar que essas projeções humanas existem e são indicadoras de uma realidade verdadeiramente outra, que a imaginação humana reflete. Esse ponto de partida é antropológico, um empreendimento filosófico que se fundamenta na pergunta: “O que é o homem?”
Se as projeções religiosas do homem correspondem a uma realidade que é sobre-humana e sobrenatural, então parece lógico procurar vestígios desta realidade no próprio projetor. Não é para propor uma teologia empírica – o que seria logicamente impossível – mas antes uma teologia de sensibilidade empírica muito aguda que buscasse correlacionar suas proposições com o que pode ser empiricamente conhecido. Na medida em que seu ponto de partida for antropológico, uma tal teologia voltará a algumas das preocupações fundamentais do liberalismo protestante – sem, espera-se, a condescendência com os “eruditos desdenhadores da religião” e seus vários utopismos (BERGER, 1973, p. 69).
Peter Berger sugere, então, que o pensamento teológico procure descobrir o que ele chama de sinais de transcendência no âmbito da condição humana, compreendidos como fenômenos que se encontram no domínio da realidade natural, cotidiana, que apontam para além da realidade. Ele sugere que há “gestos humanos prototípicos” que podem constituir tais sinais, tal como a propensão para a ordem, de tal modo que, no centro do processo de tornar-se plenamente humano, podemos encontrar uma experiência de confiança na ordem da realidade. Outro sinal é o argumento da esperança, que consiste na orientação da existência humana para o futuro, na concretização de projetos. Um terceiro sinal é o argumento do humor, que reconhece a contraditória condição humana como cômica e, por isso, relativizadora.
Esses sinais de transcendência de nossa época são rumores de que o sentimento religioso não está ausente. Antes, a redescoberta do sobrenatural consiste em uma reconquista da abertura na percepção da realidade.
O benefício moral principal da religião é que ela permite uma confrontação com a época em que se vive numa perspectiva que transcende à época e assim a coloca em proporção. [...] Encontrar coragem para fazer o que se tem que fazer num dado momento não é o único bem moral. É também um grande bem moral que este mesmo momento não se torna o momento absoluto e final da existência, que, em aceitando suas exigências, não perde a capacidade de rir e brincar (BERGER, 1973, p. 126).

2 comentários:

  1. Oi Pablo. Esse livro está esgotado. Li durante a pesquisa para a dissertação do mestrado em Filosofia. As considerações dele são realmente interessantes. Uma outra pesquisa do mesmo autor que é mais fácil de encontrar é O Dossel Sagrado. Uma boa leitura. Recomendo.

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